Ramón Castro e a Virada Inacreditável
A história dos Gre-Nais guarda capítulos que não apenas marcam o futebol gaúcho, mas moldam a identidade de torcedores e clubes. Entre eles, um duelo se destaca como símbolo de superação, garra e renascimento tricolor: o Gre-Nal do dia 13 de agosto de 1944, no Estádio da Baixada.
E no centro dessa epopeia está o atacante Ramón Humberto Castro, uruguaio de San José de Mayo, nascido em 20 de fevereiro de 1921, que escreveu seu nome na eternidade gremista ao conduzir uma virada simplesmente inacreditável.
A partida ficou conhecida como o Gre-Nal 83, duelo em que o Grêmio, após terminar o primeiro tempo perdendo por 3 a 0 para o poderoso Rolo Compressor colorado, voltou a campo disposto a mudar o destino do clássico.
E mudou — com duas cabeçadas históricas de Ramón Castro e uma explosão de paixão nas arquibancadas tricolores.
Quem foi Ramón Humberto Castro?
Ramón Humberto Castro foi mais do que apenas um atacante uruguaio. Foi um nome marcante dos anos 1940 no futebol sul-americano, tendo atuado como jogador, treinador e até árbitro.
Sua carreira inclui passagens por:
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Montevideo Wanderers (1940–1944)
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Grêmio (1944–1945)
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Defensor (1945–1951)
Pela Seleção Uruguaia, atuou entre 1945 e 1949, com 11 jogos e 5 gols.
No Grêmio, registrou números impressionantes:
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32 jogos
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39 gols
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Média de 1,22 gol por jogo
Seu aproveitamento total pelo clube foi de 71,9%, somando mandos e jogos como visitante.
Participou de 7 Gre-Nais, marcou 3 gols nesses clássicos e fez parte de 11 gols do time nesses duelos, mesmo enfrentando um dos maiores times da história colorada.
Mas nenhum momento de sua passagem pelo Tricolor brilhou tanto quanto o clássico de 1944.
O Cenário de 1944: O Rolo Compressor em seu auge
Entre o final de 1938 e 1955, o Internacional viveu a fase que ficou conhecida como Rolo Compressor, acumulando vitórias, títulos e um time tecnicamente superior ao restante do futebol gaúcho.
Nesse período, disputou 85 clássicos e perdeu apenas 13.
O Grêmio, por sua vez, vivia anos difíceis contra o rival. Desde 19 de outubro de 1941, não vencia o Inter em casa. Eram:
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4 derrotas seguidas na Baixada
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12 clássicos sem vitória
Para piorar, naquele mesmo ano, em maio de 1944, o Inter havia aplicado um duríssimo 7 a 3 no Gre-Nal anterior, em um jogo que marcou uma grande festa colorada — inclusive a apresentação da "Bandeira Nova do Grêmio", no lado tricolor, durante o pré-jogo das festividades da Baixada reformada.
Assim, quando novos torcedores chegaram à Baixada naquele domingo, muitos carregavam o receio de mais uma derrota para o grande rival.
Mas o futebol sempre guarda surpresas.
O Primeiro Tempo: 3 a 0 e clima de goleada
O Inter iniciou a partida impondo o ritmo típico de seus grandes anos. Logo aos 7 minutos, após um corta-luz inteligente de Adãozinho, o atacante Eliseu soltou um “violento pelotaço” para abrir o placar: 1 a 0.
Aos 18 minutos, Motorzinho ampliou de cabeça após cobrança de corner: 2 a 0.
E, aos 25 minutos, o malabarista Adãozinho acertou uma meia-bicicleta, fazendo 3 a 0.
Parte da torcida gremista, tomada pela frustração e pelo fantasma dos últimos Gre-Nais, deixou o estádio. Parecia o início de mais uma goleada colorada.
E então, no intervalo, algo mudou.
O Grêmio renasce no segundo tempo
O técnico Telêmaco Frazão de Lima reorganizou o time, e o Tricolor voltou completamente diferente para o campo.
O estádio, lotado — e com 600 lugares provisórios criados para o clássico — começou a sentir que um novo clima pairava no ar.
A Virada começou aos 7 minutos
Aos 52 minutos de jogo (7 do segundo tempo), Vinícius cruzou alto e Ramón Castro, subindo com precisão, cabeceou para o fundo das redes, vencendo o bom goleiro Ivo:
Grêmio 1 x 3 Internacional
O torcedor voltou a acreditar.
Aos 14 minutos, o improvável ganha força
Aos 59 minutos, Bentevi recebeu excelente lançamento de Bombachudo e fuzilou o gol colorado:
Grêmio 2 x 3 Internacional
O estádio explodiu. A Baixada acordou.
Aos 28 minutos, a igualdade que incendiou Porto Alegre
Aos 73 minutos, novamente Ramón Castro, desta vez superando o lendário zagueiro Nena, marcou de cabeça e empatou:
Grêmio 3 x 3 Internacional
A vibração era tamanha que o estádio parecia tremer.
O Gol da Virada: O Impossível se torna Realidade
Mário Carioca, após receber passe de Ivo, conduziu a bola até a entrada da área e soltou um chute forte no ângulo direito:
Grêmio 4 x 3 Internacional
A virada estava consumada.
“Inacreditável” antes de existir o termo
A crônica da época dizia que, ao apito final do árbitro Henrique Maia Faillace, de 130 quilos, o estádio inteiro explodiu em festa.
A torcida invadiu o gramado, celebrando a virada como se fosse uma conquista de campeonato.
Era o fim da escrita rubra, o fim do domínio colorado na Baixada e o dia em que Ramón Castro se tornou definitivamente ídolo tricolor.
O termo “inacreditável”, repetido por décadas em jogos históricos do Grêmio, encontra ali uma de suas origens mais simbólicas.
As Formações do Clássico
Grêmio – Sistema 2-3-5
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Vinícius
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Bentevi
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Bombachudo
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Ramón Castro
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Mário Carioca
Técnico: Telêmaco Frazão de Lima
Internacional – Sistema 2-3-5
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Ivo
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Nena
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Ávila
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Motorzinho
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Adãozinho
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Cacho Pérez
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Eliseu
Técnico: Darío Letona
Por que a virada de 1944 é tão importante?
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Encerrava 12 clássicos sem vitória.
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Era apenas uma das 13 derrotas coloradas em 85 Gre-Nais da era Rolo Compressor.
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Rompia a hegemonia que parecia eterna.
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E, principalmente, foi construída em condições quase impossíveis:
de 3 a 0 para 4 a 3.
E no centro disso estava ele:
Ramón Humberto Castro, responsável direto pela reviravolta com dois gols emblemáticos.
Ramón Castro: Uma Lenda Que o Tempo Não Apaga
Mesmo tendo jogado apenas 32 partidas pelo Grêmio, sua marca foi profunda.
Os números — 39 gols e média superior a 1 gol por jogo — mostram a qualidade.
Mas o que realmente o eternizou foi ter sido protagonista de uma das maiores viradas da história do futebol gaúcho.
Aquele domingo de agosto de 1944 não foi apenas uma vitória. Foi um marco. Uma redenção tricolor.
E Ramón Castro foi o nome que transformou um dos capítulos mais dolorosos em um dos mais gloriosos do Imortal.
Mais de 80 anos depois, sua atuação segue viva — não apenas nos livros, mas no coração dos gremistas.
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